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Foto do escritorFranz Brehme

Traduzindo “Middle-earth” - Há uma forma inteiramente correta?

(E Um Bônus para Imladris)


Este texto já viu a luz em diversos sites e blogs amigos, mas não consegui encontrar os links. Caso algum dos amigos leitores tiver o link, peço que me envie, para adicionar aqui.


Vamos lá...


Pensando um pouco sobre este tema que já causou muita discussão, resolvi estudar um pouco a questão e tentar encontrar elementos que ajudem a definir a questão: qual a melhor grafia de “Terra-média”? Seria assim? Ou o melhor é “Terra Média”? Ou “Terra-Média”? Ou o quê?


Pois bem: originalmente, o nome criado por Tolkien é “Middle-earth”, uma derivação da palavra em Inglês Antigo (Anglo-Saxão) “Middangeard”. Leia-se a explanação de Tolkien na Carta 151:


“Terra-média é apenas a palavra em inglês arcaico para o mundo habitado dos homens. Encontrava-se então como se encontra. Na verdade, exatamente da mesma forma em que se encontra, redondo e inescapável. Essa é em parte a questão. A nova situação, estabelecida no início da Terceira Era, leva eventual e inevitavelmente à História habitual, e vemos aqui o processo culminando-se. Caso o senhor, ou eu, ou qualquer um dos homens mortais (ou hobbits) dos dias de Frodo se lançasse por sobre o mar, ao oeste, eventualmente teríamos, como agora, voltado (como agora) ao nosso ponto de partida.”

Além disso, Tolkien escreveu o “Guide to Names in The Lord of the Rings” (“Guide”), ou seja, um guia para os nomes em “O Senhor dos Anéis”, pois para ele a questão da nomenclatura era de relevância primordial. Tais notas foram feitas pelo Professor para ajudar os tradutores dos livros.

O texto foi composto quando apenas as traduções Sueca e Holandesa haviam sido publicadas. O texto viu a luz pela primeira vez no livro “A Tolkien Compass” de Jared Lobdell em 1975 (inédito no Brasil), tendo sido editado por Christopher Tolkien, já que Tolkien falecera em 1973.


Em 2005, Wayne G. Hammond e Christina Scull lançaram uma versão revisada no, ainda inédito no Brasil, “The Lord of The Rings: A Reader Companion”, após leitura de manuscritos e outros documentos.


Seguem as palavras do Professor sobre o nome “Middle-earth”:


Middle-earth. Not a special land, or world, or 'planet', as is too often supposed, though it is made plain in the prologue, text, and appendices that the story takes place on this earth and under skies in general the same as now visible. The sense is 'the inhabited lands of (Elves and) Men', envisaged as lying between the Western Sea and that of the Far East (only known in the West by rumour). Middle-earth is a modern alteration of medieval middel-erde from Old English middan-geard (see Isengard[1]). The Dutch and Swedish versions correctly use the old mythological name assimilated to the modern languages: Dutch Midden-aarde, Swedish Mid-gård.”

Tradução livre: Não é uma terra especial, ou mundo, ou “planeta”, como frequentemente se supõe, embora seja deixado claro no prólogo, texto e apêndices que a história ocorre nesta terra e sob céus em geral iguais aos atualmente vistos. O sentido é “as terras habitadas pelos (Elfos e) Homens”, imaginada como localizada entre o Mar Ocidental e aquele do Leste Distante (apenas conhecido no Oeste por rumores). “Middle-earth” é a alteração moderna do medieval “middel-erde” do Inglês Antigo “middan-geard” (ver Isengard). As versões Holandesa e Sueca corretamente usam o antigo nome mitológico assimilado às línguas modernas: Holandês “Midden-aarde”, Sueco “Mid-gård”.


Tanto é assim, que durante a tradução para o polonês, ele se manifestou da seguinte forma (Carta 251):


Como um princípio geral para orientá-la, minha preferência é por tão pouca tradução ou alteração de quaisquer nomes quanto possível. Como ela percebe, este é um livro inglês e sua “inglesidade” não deve ser erradicada. Que os Hobbits realmente falavam um idioma antigo próprio é obviamente uma afirmação pseudo-histórica tornada necessária pela natureza da narrativa. Eu poderia fornecer ou inventar a forma original no idioma Hobbit de todos os nomes que aparecem em inglês, como Bolseiro ou Condado, mas isso seria bastante sem sentido. Minha própria opinião é de que os nomes de pessoas devem ser todos deixados como estão. Também preferiria que os nomes de lugares fossem deixados intactos, incluindo Condado (Shire). O modo apropriado de tratar destes é fornecer no final uma lista daqueles que possuem um significado em inglês, com notas ou explicações em polonês.” (g.n.)

Analisando as versões traduzidas das obras do Professor Tolkien já publicadas no Brasil, pela editora Martins Fontes, a tradução constante é “Terra-média”. Então porque há tanta celeuma?


Poucos não são os meios de comunicação que utilizam a expressão “Terra-Média” ou “Terra Média”, daí a preocupação em determinar uma versão definitiva para a tradução.


O mestre das tradições Ronald Kyrmse, consultor de tradução e tradutor direto de algumas obras de J.R.R. Tolkien em português, na obra “Nomes traduzidos das obras de J.R.R. Tolkien – Ronald Kyrmse”[2] cravou: “Middle-earth: Terra-média”. Atualmente, Ronald Kyrmse também é membro integrante do Conselho de Tradução da HarperCollins Brasil, editora atualmente responsável pela obra de J.R.R. Tolkien no Brasil – e as obras até aqui lançadas utilizam a mesma forma traduzida.


Aparentemente a tradução teve como base a ideia do autor de “traduzir o menos possível”.


Por outro lado, convém sublinhar a regra gramatical da língua portuguesa vigente após a reforma ortográfica, em especial, o parágrafo segundo da Base XV do Acordo Ortográfico, cujo texto é de 1990:

“Base XV
(...)
Parágrafo 2º
Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo:
Grã-Bretanha, Grão-Pará;
Abre-Campo;
Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes;
Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes.
Obs.: Os outros topónimos/topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta, etc. O topónimo/topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso.” (g.n.)

Sem olvidar, ainda, que “Middle-earth” é um substantivo próprio e, portanto, deverá ser sempre grafado utilizando-se letra maiúscula.


Assim, considerando que “Middle-earth”, além de ser um substantivo próprio, é (i) um topônimo (ii) não iniciado por adjetivo “grão” ou “grã”; (iii) não iniciado por forma verbal; (iv) cujos elementos não estão ligados por artigo; e (v) que de acordo com a norma uma exceção consagrada pelo uso é “Guiné-Bissau”, nos termos da Norma Culta Vernacular, não deveria ser separado por “hífen”.

Vale destacar: a versão portuguesa das obras de Tolkien utiliza, como tradução, a versão “Terra Média”.


Conclusões:

  1. a expressão “Middle-earth” é uma criação/adaptação do Professor, tomando por base um nome real mitológico do idioma anglo-saxão;

  2. a tradução “oficial” da editora Martins Fontes optou por escrever “Terra-média”, provavelmente para tentar deixar o nome mais próximo da sua acepção original;

  3. a regra do vernáculo para topônimos compostos não emprega o hífen;

  4. a comunicação, em que pese as regras gramaticais, independe de minúcias deste tipo, desde que a transmissão da ideia seja clara;

  5. se alguém escrever “Terra-média”, “Terra-Média” ou “Terra Média”, a informação estará clara para o receptor do texto;

  6. pessoalmente, tanto “Terra-média” como “Terra Média” estão corretos, pelos motivos acima expostos; e

  7. “Terra-Média”, talvez, seja o menos preciso dos termos, mas também é socialmente aceitável.


Seja feliz, mas saiba respeitar as opções fundamentadas de tradutores e profissionais da área, com muito anos de bagagem (o que inclui estudos, experiência, pesquisa, etc.).


E agora, o bônus...


A tradução de "Rivendell" para "Valfenda"


Este texto, originalmente, escrevi para meus amigos do grupo e fanpage, Valfenda – A Última Casa amiga, em 2014, do qual também sou administrador. O post original está aqui.


Porque tantas pessoas reclamam da tradução de “Rivendell”: Faz sentido a tradução para “Valfenda”?

O Prof. Tolkien, quando viu suas primeiras obras traduzidas para outros idiomas, escreveu um texto chamado “Guide to Names in The Lord of the Rings”, um guia para os nomes em “O Senhor dos Anéis”, pois para ele a questão da nomenclatura era de relevância primordial. Tais notas foram feitas pelo Professor para ajudar os tradutores dos livros.


Ele escreveu sobre "Rivendell" o seguinte:

"Rivendell. 'Cloven-dell'; Common Speech translation of Imladris 'deep dale of the cleft'. Translate by sense, or retain, as seems best. The Dutch version retains the name as Rivendel; the Swedish version has Vattnadal, which is incorrect and suggests that the translator thought that Riven was related to 'river'."

"Rivendell. 'Vale-fendido'; Tradução da Língua Comum para Imladris 'vale profundo da fissura'. Traduzir pelo sentido ou manter, como parecer melhor. A versão holandesa manteve o nome como Rivendel; a versão sueca é Vattnadal, o que é incorreto e sugere que o tradutor pensou que Riven era relacionado à palavra 'rio'."


Ora, o professor deixou a opção em aberto.


Ainda, examinando os elementos de Valfenda em português, temos que "val" é uma forma arcaica para "vale"; e "fenda" é o mesmo que "fissura". Logo, o significado foi preservado e o sentido que o professor queria se manteve.


Bibliografia:

HAMMOND, Wayne G. SCULL, Christina. The Lord of the Rings: A Reader’s Companion. London: Harpercollins, 2005.

KYRMSE, Ronald. Explicando Tolkien. Martins Fontes, São Paulo, 2003.

KYRMSE, Ronald. Nomes traduzidos das obras de J.R.R.Tolkien. 1ª ed – Belo Horizonte: ebook –MG, 2013

TOLKIEN, J.R.R. As Cartas de J.R.R.Tolkien. Org. Christopher Tolkien, Humphrey Carpenter. Arte e Letra, 2006.

TOLKIEN.J. R. R."Guide to the Names in The Lord of the Rings", em: Jared Lobdell (ed.), A Tolkien Compass, Ballantine Books, Nova York, 1980

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: A sociedade do anel. Tradução: Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta (Revisão técnica e coordenação de traduções de

Ronald Kyrmse).São Paulo: Martins Fontes, 1994.

[1]Isengard and Isenmouthe. These names were intended to represent translations into the Common Speech of the Elvish names Angrenost and Carach Angren, but ones made at so early a date that at the period of the tale they had become archaic in form and their original meanings were obscured. They can therefore be left unchanged, though translation (of one or both elements in either name) would be suitable, and I think desirable when the language of translation is Germanic, possessing related elements. Isen is an old variant form in English of iron; gard a Germanic word meaning 'enclosure', especially one round a dwelling or group of buildings; and mouthe a derivative of mouth, representing Old English mūða from mūð 'mouth') 'opening', especially used of the mouths of rivers, but also applied to other openings (not parts of a body). Isengard 'the Iron-court' was so called because of the great hardness of the stone in that place and especially in the central tower. The Isenmouthe was so called because of the great fence of pointed iron posts that closed the gap leading into Udûn, like teeth in jaws (see III 197, 209). In the Dutch and Swedish versions Isengard is left unchanged. For Isenmouthe the Dutch uses Isenmonde, translating or assimilating to Dutch only the second element (a more complete translation to Ijzermonde would seem to me better). The Swedish renders it Isensgap, which is incorrect, since Isen is not a proper name but adjectival. The gard element appears in Old Norse garðr, whence current or dialectal Swedish gård, Danish gaard, and English garth (beside the original English form yard); this, though usually of more lowly associations (as English farmyard), appears for instance in Old Norse As-garðr, now widely known as Asgard in mythology. The word was early lost in German, except in Old High German mittin- or mittil-gart (the inhabited lands of Men) = Old Norse mið-garðr, and Old English middan-geard: see Middle-earth. Would not this old element in German form -gart be suitable for a translation or assimilation to German such as Eisengart? Of -mouthe the German equivalent appears to be Mün-dung (or in place-names -munde); in Scandinavian, Danish munding, Swedish mynning. Note. Whatever form is used in Isengard must also be used in the name of the River Isen, since the river-name was derived from Isengard, in which it had its source”.


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