(ou “Sobre como sempre tentar falar da espiritualidade celta e de Tolkien nas minhas reflexões sobre a vida)
Desde a aurora da minha consciência, o ciclo sazonal se constituía de um pêndulo de preocupações banais: vaticinar sobre as chuvas, buscar refresco para o calor ou abrigo contra a mordida do frio. Tudo se resumia a uma constância homogênea, de fugaz relevância, ainda que os dias guardassem dentro de si uma amplitude climática que, à época, julgava drástica — o famoso adágio de quem vive na Paulicéia desvairada, qual seja, “em um mesmo dia cabem as quatro estações”.
As estações possuíam um valor fútil, que em nada se comunicava com o mundo natural propriamente considerado. Minha visão vestia como cabresto minha percepção restrita dos eventos climáticos de um vasto mundo tropical paulista.
Mas desde que fui apresentado à espiritualidade celta e, especialmente depois que minha Senhora Feérica e eu empreendemos nossa própria echtra, cruzando o continente, em direção ao sul, cruzamos o gigante andino, os saberes da roda das estações nunca foram tão contundentes. Vivenciamos a prática da sazão definida como nas rodas do kultrún dos mapuche.
Os elementos cíclicos constituem, efetivamente, uma escola ancestral, com lições naturais que nos obrigam a adotar medidas preparatórias para o enfrentamento das condições climáticas, além da necessidade de revermos todas aquelas nossas necessidades internas e inerentes à nossa existência, as quais precisam trabalhar harmonicamente com o momento que a estação nos impõe.
Muitos desses ensinamentos foram experimentados simbólica e magicamente por mim durante as práticas e ritos desenvolvidos dentro da espiritualidade céltica, mas nunca vivenciados de tal forma. O empirismo e a prática também têm muito a oferecer como escola.
Destarte o escol da natureza seja um dos pilares da crença pagã, especialmente a celebração dos ritos de passagem sazonais e o clímax dos astros — reitero meu foco na espiritualidade céltica e, algum dia, uso este espaço para falar um pouco dos ancestrais do solo chileno, em especial do povo mapuche —, a vivência da realidade da roda das estações impactou e mudou minha forma de encarar as coisas.
Assim, apenas posso agradecer a oportunidade de morar em um país em que as estações do ano são definidas: é uma experiência singular. Soo repetitivo.
Desconectei-me da urbe caótica, mesmo sem sair de uma. Passei a respirar o ar; a andar, um passo após o outro, no chão; a me molhar na água e a me secar sob o sol.
O ciclo das estações passou a ser a base dos planos, das ações, do que fazer ou não fazer no momento presente, permitindo saber o que planejar para os ciclos imutáveis do ano. Ainda que, por vezes, pareça que eles estão mudando de lugar.
Sinto que isso ficará mais extenso do que eu pretendia, mas escrevo meu alimento e pinto meu ar, canto minha morada e toco meu viver. Tergiverso novamente.
Quando nos radicamos, definitivamente, nesta casa de ancestrais do meu sangue, decidimos levar uma vida ainda mais equilibrada do que aquela que começávamos ainda na Borda do Campo, justamente visando reduzir nosso impacto nesta terra de escassez de recursos hídricos e de solo seco: tratamos de reaproveitar tudo que consumimos, desde água até embalagens e resíduos orgânicos. Assim, passamos a utilizar um pequeno e inutilizado tanque de lavar roupas como uma estação de compostagem.
Com o passar dos meses, no advento dos protestos de outubro de 2019, os tomates reluziam, o coentro crescia, alfaces e espinafres também. Os meses seguintes trouxeram escassez econômica, dada a impossibilidade de eventos públicos em função das justas marchas por direitos — eventos estes que eram o foco da nossa obtenção de recursos financeiros.
Fecharam-se oportunidades, surgiram outras. O final de ano viu, lentamente, o reabrir das possibilidades, com a estação quente e os eventos festivos da época.
Mas março deste ano atropelou pretensões e derrubou planos com seu fechamento pandêmico e sua reclusão tendente ao inverno. A escassez, porém, não veio. Pois os meses anteriores foram de reserva e outras formas de trabalho surgiram: somos humanos, altamente capazes de invenção e, especialmente, reinvenção. Decidimos, então, que era hora de expandir nossa horta.
Abro breve parêntese.
Sempre tive para mim que a árvore de damasco é uma árvore familiar, o Axis-mundi da família: meus avós paternos tinham um frondoso damasqueiro em sua casa. Minhas memórias afetivas das viagens de férias para a casa deles, quando ocorriam, sempre estão marcadas por aquele damasco, um símbolo onipresente desse período das viagens de infância.
Mas há uma outra árvore de damasco na minha família, só que na linhagem materna, e ela está localizada nesta casa em que vivemos hoje. Diz meu pai que o damasco que está nesta casa é oriundo daquele outro damasqueiro, ou seja, uma cria do damasco da casa dos pais dele.
Fecho o parêntese.
Ainda que as temperaturas mensuráveis sejam mais amenas do que aquelas da minha terra natal, o ciclope solar é mordaz e inclemente, mesmo em frente ao Pacífico; seu olhar monocular, por vezes, me parece mais cruel para a cobertura das coisas, orgânicas ou não, do que aquele com o qual convivi por uma vida enquanto em Pindorama. Por essa razão, decidi que a horta se aproveitaria, em parte, da sombra do damasco familiar desta casa, já que ele tem bom tamanho e reparte graciosamente suculentos frutos em dezembro.
Nossa horta está a todo vapor: tomates, cebolas, alfaces, abóboras e batatas (inclusive batatas que dão tomates!). Alguns dias atrás, na expectativa dos frutos que começariam a aparecer no damasco, procuramos verificar como estaria o desenvolvimento dos frutos, já que as flores abundaram. Encontramos escassos frutos que começam a madurar, mais especificamente, quatro deles em toda a árvore!
Refletimos e lembramos que o inverno foi rigoroso: Taranis se encarregou de trazer tormentas que fazia muito tempo não se via por estas terras, dias seguidos de chuva e ventos mais fortes do que o normal. As lindas flores primaveris e sua prole, contudo, seguiram sendo fustigadas pelo vento e a maioria dos pequenos frutos caiu. Ainda que em cima da horta, mas sem mais capacidade de se desenvolverem.
Não senti tristeza por não comer damasco este ano: seus frutos espalhados aos ventos são um tributo aos ancestrais da terra e aos espíritos que nos acolheram tão bem aqui, já que uma nova horta prospera e, em breve gestação, nos dará muitas refeições frescas e frugais. Tudo que fizemos foi tratar bem do solo e de outras mudas e árvores que plantamos por aqui, inclusive um carvalho que plantei no final do inverno de 2017.
Minha experiência com o ciclo natural pode não ser novidade para muitos dos que eventualmente lerão este singelo texto, mas para mim foi a vivência de tudo aquilo que já pude aprender na espiritualidade que me acolhe.
Falta algo, porém, para compartir com quem lê estas palavras.
Recentemente reli a tradução de Tolkien, do inglês médio para o inglês moderno, de Sir Gawain e o Cavaleiro Verde. A ideia era coletar material de referência para pintar algo relacionada ao Rei Arthur — em breve devo me embrenhar nessa jornada.
Sei que Tolkien não estimulava, de certa forma, a busca pelas fontes daquela sopa de referências e influências (tal como ele fala em Sobre Contos de Fadas), mas é inevitável: li a tradução deste texto do inglês médio — talvez a mais cristã das obras que ele traduziu — e vi nela lampejos de um tempo ainda mais ancestral, de quando outros deuses ancestrais vagavam livres pelo solo britônico. E não me referido às referências óbvias como o próprio Cavaleiro Verde, a corte onde Gawain sofre suas tentações e nem a colina onde ele finalmente encontra o Cavaleiro.
Aqui, para encerrar, gostaria de deixar estas duas estrofes que o poeta inglês do medievo escreveu e cujas palavras, felizmente, resistiram ao passar do tempo e chegaram até nós, em um idioma acessível para alguns de nós. Para mim, elas demonstram esse tempo ainda mais ancestral a que me referi, representam um ser que observa a natureza e que está em harmonia com ela. Um Ser Natural.
Por vezes, porém, sou imprudente... o que se traduz a seguir é uma pífia tentativa de traduzir estas estrofes. Tento, desastradamente, fazer o que o poeta original fez em seu idioma: a aliteração medieval poética.
Mais sobre o que é a aliteração neste poema ao final deste escorço.
22
Com esta ânsia por façanhas altas, assim Arthur principiava
o jovem ano, pois
auspiciosos votos ansiava ouvir.
Embora tais palavras não fossem faladas quando à mesa se aconselhavam,
agora de trabalho mortal suas mãos estavam inteiramente abarrotadas.
Gawain era belo enquanto abria jogos no salão concebidos,
mas se o desenlace é infeliz, não há ali nenhum acaso!
Pois embora homens fiquem de bom ânimo quando bebem com ânsia,
um ano se desfaz fácil, voltando jamais a ser o mesmo;
da abertura ao rotundo final raramente imutável.
E então este Natal passou e o ano próximo se apressou,
E as distintas as estações se alternam repetidas em turno:
passado o Natal o taciturno processo quaresmal
que com peixes prova a carne e com comida mais escassa;
e então o mundo comunga da guerra ao moribundo inverno,
frio furtivo adentra a terra, nebuloso fumo acima dela,
precipitações chegam com enxame de chuva brilhante
que cai cálida na relva fúlgida, lá se abrem flores como flamas,
de verdes vestes os bosques se aviam,
os pássaros passam construindo ocupados e aos brados cantam
pelas doçuras do suave verão que por sua vez
dará boas-vindas.
e flores desabrocham e sopram
em sebes brilhantes e coloridas;
as músicas gloriosas são
nas florestas vertidas[1]
23
Após a sazão de verão com o som de suas brisas,
quando o Zéfiro suspiros sibila entre sutis ervas,
grata é a grama cuja graça se dá no descampado,
quando urge ao úmido orvalho pingar graúdo das folhas
para saudar um cinza olhar do sol a brilhar.
Mas então a Ceifa se apressura, tudo rapidamente endurecido,
dá o aviso antes do inverno para desenvolver e amadurecer.
Ela conduz com sua seca a poeira, até que ela suba
desde as faces do solo, subindo alto para o céu;
o vento selvagem ao alto sobe e desvela o sol que guerreia,
as folhas da tília farfalham, faces o chão,
e toda gris é a grama que grela verde do solo de outrora:
todas as coisas amadurecem e apodrecem que no início soerguem,
e assim se esgota o ano com dias gastos,
e então o inverno volta, como pelo desenvolver do mundo
lhe é genuíno,
até a lua do dia de São Miguel
trouxe do inverno o vaticínio;
Sir Gawain logo sentiu o fel
ao recordar, da sua jornada, o caminho.[2]
Mas é óbvio que essa é uma tentativa vaidosa da minha parte. Aproveito para deixar aqui um mimo, para fins acadêmicos de quem possa interessar e que traduzo apenas para que possam dimensionar o tamanho do problema que é traduzir versos aliterantes. Este é meu presente de fim de ano: uma tradução simplória dos comentários de Tolkien à estrutura poética do poema medieval aliterativo “Sir Gawain and the Green Knight”. Caso leiam esta despretensiosa tradução, me verão falhar miseravelmente na tradução dos versos e na própria linguagem acadêmica do artigo — a qual, muitas vezes, me parece uma verdadeira sustentação oral de argumentos.
Caso você chegue ao final deste texto (e da tradução abaixo), estou aberto a discutir o tema, a tradução e, inclusive, a aceitar todas as críticas que queiram fazer.
Que possamos ter um fim de ano mais tranquilo e um 2021 que possa ter, no abraço, o seu significado tradicional: o amor e o carinho. Até lá, continuem vivendo da forma mais amorosa possível: com distanciamento social. O inverno pandêmico há de acabar e o retiro forçado dos círculos sociais que ele obrigatoriamente carrega em seu bojo também.
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P.S.: Quero muito agradecer ao meu querido amigo e incrível estudioso de literatura, tradução e Tolkien, Eduardo Boheme, pela revisão e considerações sobre a tradução das estrofes e do próprio texto abaixo.
A forma poética de “Sir Gawain e o Cavaleiro Verde”
Por J.R.R. Tolkien
A palavra “aliterativo”, tal como aplicada à métrica ancestral da Inglaterra, é enganosa; pois ela não estava relacionada a letras, com grafia, mas com sons, julgados pelo ouvido. Os sons que são importantes são aqueles que iniciam palavras — mais precisamente, aqueles que iniciam as sílabas tônicas das palavras. Aliteração ou “ritmo-cabeça” é a concordância das silabas tônicas dentro de uma mesma linha em começar com o mesmo som consonantal (som, não letra) ou em não começar com uma consoante, mas com uma vogal. Qualquer vogal alitera com qualquer outra vogal: o padrão aliterativo é satisfeito se as palavras em questão não começarem com uma consoante.
“Apt alliteration’s artful aid[3]", disse um escritor do século décimo oitavo. Mas para um poeta do século décimo quarto, desta forma apenas três destas quatro palavras aliteravam. Não a própria alliteration [aliteração]; pois sua primeira sílaba forte é lit e, assim, alitera na consoante l. Apt [apta], artful [habilidosa] e aid [ajuda] aliteram, não porque elas começam com a mesma letra, a, mas porque elas concordam em começar sem consoantes; e isso era aliteração bastante. “Old English art”[4], onde todas as palavras iniciam com três diferentes letras seria tão bom quanto.
Mas uma linha desta estrofe não seria poesia simplesmente porque continha tais aliterações; rum ram ruf, como o pároco de Chaucer zombou, não é uma linha. Ela também tinha alguma estrutura.
O poeta inicia o poema com uma linha bem regular, de uma de suas variedades favoritas:
Siþen þe sege and þe assaut watz sesed at Troye
When the siege and the assault had ceased at Troy[5]
Este tipo de linha se decompõe em duas partes: “When the siege and the assault” [Quando o cerco e o assalto] e “had ceased at Troy” [cessaram em Tróia]. Quase sempre há uma cesura entre elas, correspondendo a algum grau de pausa nesse sentido. Mas a linha era mantida em uma unidade métrica pela aliteração; uma ou mais (usualmente duas) das palavras principais na primeira parte estavam ligadas por aliteração com a primeira palavra importante na segunda parte. Desse modo, na linha acima, siege [cerco], assault [assalto]; ceased [cessaram]. (Como é sílaba tônica que conta, assault [assalto] parte do s, não de uma vogal).
Cada uma dessas partes deveria conter duas sílabas (frequentemente palavras completas, como siege [cerco]) que estivessem em seu lugar suficientemente acentuadas para conter uma “batida”. As outras sílabas deveriam ser mais leves e silenciosas. Mas seu número não era contado, nem sua colocação era estritamente ordenada nesta forma medieval. Essa liberdade possuía um efeito marcado no ritmo: poderia não haver sílaba leve alguma interferindo entre os acentos. É claro que é um efeito muito mais fácil de produzir do que de evitar em inglês, sendo normal na fala natural. Versos que o usam podem facilmente acomodar muitas frases naturais. Os poetas medievais usavam-nas especialmente na segunda parte de suas linhas; exemplos da tradução são
Tirius went to Tuscany and tówns fóunded (estrofe 1)[6]
Indeed of the Table Round all those tríed bréthren (estrofe 3)[7]
A aliteração pode ser mínima, afetando apenas uma palavra em cada parte da linha. Isto não é frequente no original (e em alguns lugares onde ocorre pode se suspeitar de equívocos no manuscrito); é um pouco mais na tradução. Com muito mais frequência, a aliteração é aumentada. Mero excesso, quando ambas as tensões na segunda parte aliteram, é pouco encontrado; dois exemplos ocorrem em linhas consecutivas na estrofe 83:
þay ƅoʒen bi ƅonkkez þer boʒes ar ƅare,
þay clomben bi clyffez þer clengez þe colde
e são preservados na tradução[8]. Isto é um excesso, um rum-ram-ruf-ram, que rapidamente satura o ouvido.
Aliteração aumentada está normalmente conectada com o aumento no peso e conteúdo da linha. Em uma grande quantidade de versos a primeira parte da linha tem três sílabas pesadas ou batidas (não necessariamente, nem realmente comum, de força igual). É conveniente olhar para esse tipo de ritmo dessa forma. Linguagem natural nem sempre se organiza em padrões simples:
the siege and the assault had ceased at Troy
Tirius to Tuscany and towns founded
Pode haver mais “palavras cheias” em uma frase. “The king and his kinsman/and courtly men served them”[9] (veja estrofe 21, linha 16) é bom o bastante e é uma linha suficiente. Mas você poderia querer dizer: “The king and his good kinsman/and quickly courtly men served them”[10]. Até onde foi a segunda metade da linha, você restringiu seu desejo e não permitiu que a linguagem tivesse sua cabeça; você manteve os finais das linhas simples e limpos. Quando muito, você poderia se aventurar em “and courtiers at once served them”[11] — evitando a aliteração dupla e colocando o advérbio onde, em uma narração natural, poderia estar subordinado em força e tom a court- e served, deixando-os claramente como as batidas. Mas na primeira parte da linha o “pacote” fora muito praticado.
Em “The king and his good kinsman” good [bom/bons] não é de muita importância e pode ser reduzido em tom de modo que dificilmente se levante e desafie as batidas principais, king [rei] e kin [gente/parentes]. Mas se esse elemento se junta à aliteração, ele é trazido à atenção, e então se tem um tipo triplo: 'The king and his kind kinsman'[12]. Esta variedade, em que há uma terceira batida inserida antes da segunda batida principal, ao qual está subordinada em tom e importância, mas com a qual ainda assim alitera, é muito comum de fato. Dessa forma, a segunda linha do poema:
And the ʄortress ʄell in ʄlame to ʄirebrands and ashes[13]
Mas o material adicionado pode vir no início da linha. Em vez de 'In pomp and pride/he peopled it first'[14] (veja a 9ª linha do poema), você pode dizer: 'In great pomp and pride'[15]. Isso levará facilmente a outra variedade na qual há uma terceira batida antes do primeiro acento principal, ao qual está subordinado, mas com o qual alitera; então, na oitava linha do poema:
Fro riche Romulus to Rome ricchis hym swyþe
When royal Romulus to Rome his road had taken[16]
Menos comumente, uma palavra completa, mas subordinada, pode ser colocada em vez de uma sílaba fraca no final da primeira parte da linha; assim, na estrofe 81:
Þe gordel of þe greme silke, þat gay wel bisemed
That girdle of green silk, and gallant it looked[17]
Se a isso for dada uma aliteração, obtém-se o tipo
And ʄar over the French ʄlood Felix Brutus[18]
Outras variedades irão então se desenvolver; por exemplo, aquelas em que a terceira batida não é realmente subordinada, mas, tanto foneticamente como em sentido e vivacidade ou em ambos, um rival dos outros:
But wild weathers of the world awake in the land[19]
The rings rid of the rust on his rich byrnie (ambos da estrofe 80)[20]
Às vezes pode ocorrer que a batida adicionada carregue a aliteração e não a palavra fonética ou logicamente mais importante. Na tradução, este tipo é usado para fornecer uma aliteração quando uma palavra principal que não pode ser alterada se recusa a aliterar. Assim, na primeira linha da estrofe 2 a tradução tem:
And when ʄair Britain was ʄounded by this ʄamos lord[21]
pelo original
Ande quen þis Bretaun wats bigged bi þis burn rych(e) –
já que “Britain” era inescapável, mas nem bigged (fundada) nem burn (cavaleiro, homem) possuem quaisquer contrapartes modernas para aliterar com ela.
Como já foi dito mais cedo, aliteração era pelo ouvido e não pela letra; a grafia não está relacionada.
Justed ful jolilé þise gentyle kniʒtes (estrofe 3, linha 6)
aliteravam, apesar da grafia com g e j. Outra questão distinta é “licença”. O poeta se permitiu algumas destas: onde nem a grafia nem o som eram os mesmos, mas os sons eram pelo menos semelhantes. Ele poderia ocasionalmente desconsiderar a distinção entre consoantes sonoras e surdas, igualando assim s com z ou f com v e (frequentemente) palavras que começam com h com palavras que começam com uma vogal. Na tradução, as mesmas licenças são permitidas quando necessário, um tradutor precisa ainda mais de ajuda do que aquele que redige por conta própria. Portanto:
Quen Zeferus syflez hymself on sedez and erbez
When Zephyr goes sighing through seeds and herbs (estrofe 23)[22]
e
Though you yourself be desirous to accept it in person (estrofe 16)[23]
onde a segunda ênfase é o ‘zire” de desirous e a terceira é o ‘sept’ de accept.
Esses casos em que a aliteração nasce, não por seu primeiro, mas pelo segundo elemento em uma palavra composta (como eyelid ou daylight em linhas aliterando com l) não são realmente diferentes metricamente daquelas em que palavras separadas mas subordinadas usurpam a aliteração. Por exemplo:
And unlouked his yʒe-lyddez, and let as him wondered
He lifted his eyelids with a look as of wonder (estrofe 48)[24]
Uma variedade é muito usada na tradução que não é encontrada frequentemente em casos claros no original; essa é a ‘aliteração cruzada’. Nessa, uma linha contém dois sons aliterativos, em ambos os arranjos abab ou abba. Estes padrões são usados na tradução porque eles satisfazem a exigência de aliteração simples e ainda adicionam mais coloração métrica para maquiagem nos casos em que a aliteração tripla ou quádrupla no original não pode ser rivalizada em inglês moderno. Assim:
All of Green were they made, both garnments and man (estrofe 8)[25]
Towards the fairest at the table he twisted the face (estrofe 20)[26]
Na linha seguinte o padrão é f/s/z/f:
And since folly thou hast sought, thou deserves to find it (estrofe 15)[27]
A ocorrência frequente, na tradução, de 'Wawain' por 'Gawain' segue a prática do original. Ambas as formas do nome eram correntes; e, é claro, a existência de uma forma alternativa do nome de um personagem principal, começando com outra consoante, era de grande ajuda para um poeta aliterativo.
Mas em Sir Gawain também há rima final, nas últimas linhas de cada estrofe. O autor teve a ideia (assim provavelmente pode ser dito, pois nada parecido com isso é encontrado em outro lugar) para aliviar a monotonia e o peso de cerca de 2.000 longas linhas aliteradas no final. Ele as dividiu em grupos (dificilmente "estrofes", já que são muito variáveis em comprimento) e, ao final de cada uma, colocou um arremedo de rima. Isso consiste em quatro linhas de três batidas rimando alternadamente (agora conhecido como 'wheel') e uma marcação de batida (conhecida como 'bob') para ligar a 'wheel' à estrofe anterior[28]. O ‘bob’ rima com a segunda e a quarta linhas da ‘wheel’. Não há dúvida do sucesso métrico deste dispositivo; mas como os versos rimados também deviam aliterar, e não há muito espaço para se mover nos versos curtos da ‘wheel’, o autor impôs a si mesmo um severo teste técnico e ao tradutor um ainda pior. Na tradução, tanto a tentativa de aliteração quanto a de rima tiveram que ser abandonadas com um pouco mais de frequência do que no original. Como um exemplo do ‘bob’ e da ‘wheel’, no original e na tradução, este é o final da estrofe 2:
If ze wyl lysten þis laye bot on little quile
I schal telle hit astit, as I in toun herde,
with tonge.
As hit is stad and stoken
In stori stif and stronge,
With lel letteres loken,
In londe so hatz ben longe.
If you will listen to this lay but a little while now,
I will tell it at once as in town I have heard,
it told.
as it is fixed and fettered
in story brave and bold,
thus linked and truly lettered
as was loved in this land of old.
Literal
Se você vai ouvir esta balada por agora,
eu irei contá-la de uma vez como na cidade a ouvi
ser contada
tal como ela está fixada e agrilhoada
na história corajosa e ousada,
assim ligada e verdadeiramente escrita
como era amada nesta terra de antigamente.
Não-literal
Se tencionas tentar esta trova por um curto tempo,
Irei contá-la de uma vez, como na cidade a ouvi
ser contada
tal como ela se registra e restringe
na história corajosa e ousada,
assim a escrita se cinge
tal como era amada nesta terra de outrora.
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Notas de referência
[1] With this earnest of high deeds thus Arthur began the young year, for brave vows he yearned to hear made. Though such words were wanting when they went to table, now of fell work to full grasp filled were their hands. Gawain was gay as he began those games in the hall, but if the end be unhappy, hold it no wonder! For though men be merry of mood when they have mightily drunk, a year slips by swiftly, never the same returning; the outset to the ending is equal but seldom. And so this Yule passed over and the year after, and severally the seasons ensued in their turn: after Christmas there came the crabbed Lenten that with fish tries the flesh and with food more meager; but then the weather in the world makes war on the winter, cold creeps into the earth, clouds are uplitfted, shining rain is shed in showers that all warm fall on the fair turf, flowers there open, of grounds and of groves green is the rainment, birds are busy a-building and braverly are singing for sweetness of the soft summer that will soon be on the way. and blossoms burgeon and blow in hedgerows bright and gay; the glorious musics go through the woods in proud array. [2] After the season of summer with its soft breezes, when Zephyr goes sighing through seeds and herbs, right glad is the grass that grows in the open, when the damp dewdrops are dripping from the leaves to greet a gray glance of the glistening sun. But then Harvest hurries in, and hardens it quickly, warns it before winter to wax to ripeness. He drives with his drought the dust, till it rises from the face of the land and flies up aloft; wild wind in the welkin makes war on the sun, the leaves loosed from the linden alight on the ground, and all grey is the grass that green was before: all things ripen and rot that rose up at first, and so the year runs away in yesterday many, and here winter wends again, as by the way of the of the world it ought, until the Michaelmas moon has winter’s boding brought; Sir Gawain then full soon of his grievous journey thought. [3] Nota do tradutor (“NT”): mantive o original em inglês para fazer sentido a aliteração no contexto do texto que se segue. Minha sugestão de tradução é, diante do meu retumbante fracasso em encontrar um conjunto de palavras que satisfaçam todas as condições do texto original, “Aliteração apta, égide hábil”. Uma pobre solução, porém a única que vi ser possível até aqui. Literalmente “Aliteração apta ajuda habilidosa”. A solução de manter os exemplos dados no original se mantém por todo o texto, mas onde este tradutor puder dar sua sugestão em português, o fará, sempre por notas de rodapé e dentro da limitada capacidade vernacular dele, quase sempre sem respeitar todas os detalhes aliterativos e poéticos do texto original. [4] NT: “Arcaísmo de Arte Angla”. Para esta frase aliterativa, o autor propôs, no original, três palavras aliterando, no som da primeira sílaba (que é tônica em cada palavra), com três letras diferentes. Falhei miseravelmente. Literalmente “Arte do Inglês Antigo”. [5] NT: “Quando o cerco e o assalto / cessaram em Tróia”. [6] NT: “Tírio se dirigira à Toscana / e fundara cidades”. [7] NT: “Deveras da Redonda Távola / toda esta confraria refulgia”. Literalmente “Deveras da Redonda Távola / todos estes confrades provados”. [8] NT: na tradução executada por Tolkien. [9] NT: “O soberano e os suseranos / e eram servidos por cortesãos”. Literalmente “O rei e seus parentes / e homens corteses os serviam”. [10] NT: Literalmente “O rei e seus bons parentes / e ágeis homens corteses os serviam”. [11] NT: Literalmente “e cortesãos rapidamente os serviam”. [12] NT: Literalmente “O rei e seus gentis parentes”. [13] NT: “E fortes feneceram em flamas / para fogaréus e cinzas”. [14] NT: “Em pompa e pundonor / ele a povoou primeiro”. [15] NT: Literalmente “Em grande pompa e orgulho”. [16] NT: “Quando o real Rômulo a Roma / sua rota tomou”. [17]NT: “Aquela cinta de verde seda / como luzia tão sedutora”. [18] NT: “E afora a inundação francesa / Felix Brutus”. [19] NT: “Mas a sazonalidade selvagem do astro / sacode o solo”. [20] NT: “As órbitas obradas do óxido / de sua ostentosa cota de malha”. [21]NT: “Quando a frondosa Bretanha foi fundada / por este famoso senhor”. [22] NT: “Quando o Zéfiro suspiros sibila / entre sutis ervas”. [23] NT: “Embora você deseje alcançá-lo/ por si próprio”. [24] NT: “Ele elevou sua vista / com maravilha no olhar”. [25] NT: “Ambos de verde estavam vestidos, / tanto vestes como o varão”. Pobre, mantive apenas a aliteração gráfica, como em tantas outras ocasiões. [26] NT: “Em direção à mais bela do salão, sua feição na dela” [27] NT: “E já que a insanidade procuraste, / tu a mereces de verdade.” [28] Não há uma tradução consolidada para “bob and wheel”, mas na literalidade, poderia ser “balanço e roda”, respectivamente.
Obrigado Patrick! A mudança veio de várias formas: pela espiritualidade, pela necessidade e pelo reconhecimento da necessidade de mudança. Nossa vida de casal sempre foi frugal - e é cada vez mais. O mundo está consumindo e se consumindo. ós precisamos mudar a perspectiva se quisermos que a vida perdure.
Em primeiro lugar gostaria de parabeniza-lo pela atitude, creio que poucos hoje conseguem se desconectar do urbano que é de fato muito caótica como você mesmo citou e viver um modelo de vida mais saudável. Pelo que você narrou, está vivendo o Carpe diem "colhe o dia", uma modelo mais próximo dos seus ancestrais e da mitologia celta que você se aproximou. O máximo disso que eu consegui foi fazer uma composteira aqui em casa, e acho que todas as famílias deveriam fazer já que é simples requer quase nenhum cuidado, só colocando o composto orgânico (frutas, vegetas, casca de ovo, café) e desenvolvi alguma ligação com as plantas, mas que ainda julgo pequena. Gostaria de saber mais sobre seu…