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Foto do escritorFranz Brehme

Nihil

Atualizado: 30 de jul. de 2020

Esses dias vi que o Mestre Stephen King teria escrito, em algum lugar (ou dito, não sei de onde veio a citação, para ser bem sincero – talvez seja do livro do King sobre escrita): “Um pouco de talento é uma coisa boa para se ter se você quer ser um escritor. Mas a única exigência real é a capacidade de lembrar de cada cicatriz”.

Acho que é por isso que não posso escrever: minhas feridas e cortes não são cicatriz ainda, mas chagas abertas e purulentas, daquelas mais asquerosas do que as de filmes alternativos e independentes de horror. Quem se interessaria em deitar olhos nisso? Que mensagem um ferida aberta transmitiria a alguém? Penso que, talvez, o único interesse seria o fetiche pela ferida alheia, que tanto jacta determinado tipo de pessoas.

Mas não haveria um conteúdo relevante, artístico. E por saber disso, as palavras deixam de fluir. O gozo da escrita deixa de me atrair. Tal fenômeno acontece, em certa medida, quando pinto. Não é que eu não tenha algum nível de técnica: até acredito que tenho. Mas a arte da cópia é realmente frustrante. Não saber criar, mas apenas reproduzir uma referência não é arte (para mim). É cópia. O maldito advogado fala mais alto em muitas ocasiões da minha vida, especialmente quando se trata de temas que domino.

A cópia não vem da alma, vem do olhar. Não quero isso, quero a arte que venha da alma, não da obtusa cópia “ipsis litteris”. O mesmo se passava quando eu passei anos de minha vida tentando tocar piano: sabia executar, com limitações, as melodias plasmadas por alguém em uma pauta musical pronta. Meu ouvido, propriamente dito, sempre me falhava para tentar compreender o que os outros tocavam e, assim, tentar imitá-los. Além disso, minha mente carecia de ideias musicas para expressar o que tenho aqui dentro. Diferente de meu irmão, que sempre teve facilidade em “tirar” músicas de ouvido ou de compor melodias incríveis.

Talvez meu lugar seja a tradução, que consiste em criar uma versão, em outro idioma, daquilo que o autor quis. Captar sua intenção e traduzi-las no idioma destino é uma possibilidade, mas que esbarra na minha falta de conhecimento vernacular, seja da Última Flor do Lácio, seja dos outros idiomas que sei minimamente. A arte de recriar o que já foi criado.


A única coisa que sabia fazer bem era advogar, mas como abomino essa função... Estarei fadado a fazer bem a coisa que mais abomino? Serei mesmo incapaz de contar histórias e traduzir imagens que vejo com tanta nitidez em minha mente, que são completamente novas e que sei que poderiam interessar?

A grande desilusão artística que carrego junto ao meu ser é essa: sei que tenho algo para contar, uma história, uma imagem, um sentimento, que poderia alcançar outras pessoas. Mas essa expressão interna não sai... De nenhuma forma. Nem na pintura, nem na escrita, nem da minha boca: o único que consigo são pequenas golfadas que me custam uma alta energia física e me deixam dolorido por dias. Literalmente: meus quadros mais legais me custaram dias de recuperação física. Ou pelo menos foi o que me pareceu.

Talvez a forma mais próxima de conseguir expressar algo seja por meio da escrita. E ainda assim, me sinto tão abaixo do que eu gostaria de produzir... Isso porque tento sempre escrever aquilo que gostaria de ler! Imagina isso! A contradição em pessoa... Risos desesperados me invadem enquanto escrevo.

E neste vaivém, chego ao começo deste pequeno jato de ideias: as minhas pústulas abertas exalam tão mau odor, tem tão mau aspecto, que não produzirão interesse. Não é a minha pestilência que quero transmitir.

Mas onde estará a não-pestilência que, durante tanto tempo, os outros (e até mesmo eu) viam em mim?



Pensei que havia terminado este texto, então me levantei para fazer alguns afazeres domésticos (recolher roupa no varal e, enquanto dobrava a roupa no pátio, contemplava o belo pôr-do-sol do Pacífico) e tive um estalo: estou me focando na coisa errada. Não são as pústulas e excrescências que devem ter o foco, mas como se chegou a tê-las. Eu, que sempre tive isso claro, esqueci. E não foi a primeira vez.

Velhos hábitos são aquele entulho no canto do jardim e que, nunca removido, com os anos, vai se depositando de tudo em cima, ao redor, nas frestas, reentrâncias e saliências. Vai se assentando o escombro e o que antes era pouco, vira um monstro depositado ali, sempre a te fitar.

Depois custa tanto tirar aquilo que deveríamos jogar fora e vamos deixando para lá, afinal, “quando tiver mais tempo eu limpo”. Ah o tempo, este fugaz e tão menosprezado companheiro.

Não há um fim nem um começo para este texto. Um cataclismo é tudo que preciso para gerar movimento. Como gerar meu Grande Terremoto de Valdívia?



Hoje, morando em Viña del Mar, cerca de 290 anos após um sismo estimado entre 9,1 e 9,3 na escala Richter com epicentro aqui mesmo, voltei a escrever e isso me faz bem.

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