Disclaimer: Traduzi este texto para o site Tolkien Brasil, conforme http://tolkienbrasil.com/noticias/diversas/discurso-em-homenagem-a-j-r-r-tolkien-quando-recebeu-o-titulo-de-doutor-em-letras/. Contudo, não sofreu revisão e estava repleto de pequenas inconsistências. Ademais, estou aproveitando para reunir, em página minha, todos os trabalhos sobre o professor que já produzi.
Durante sua vida, Tolkien recebeu diversos títulos, inclusive alguns títulos "honoris causa". Alguns anos atrás, em 2013, me deparei com este texto, a transcrição de um discurso feito em homenagem ao Professor J.R.R. Tolkien por ocasião do recebimento de um Título Honorário de Doutor em Letras pela Universidade de Nottingham em 1970.
O site onde o discurso foi transcrito é administrado pelo Dr. Paul Greatrix, "Registrar" ("AQUI") da Univeridade de Nottingham, verdadeiro 'cartorário" da instituição.
Conforme informado pelo Sr. Paul, o discurso foi originalmente publicado na Gazeta da Universidade de Nottingham em maio de 1970 por ocasião de uma reunião para a outorga de títulos honorário ocorrida em 2 de maio de 1970. Segue o discurso:
O Orador Público, Professor E. J. W. Barrington, M.A. [Mestre em Artes], D.Sc. [Doutor em Ciências], FRS [Membro da Sociedade Real], apresentou o seguinte discurso ao introduzir os graduandos honorários ao Chanceler:
Para o título de Doutor em Letras “honoris causa”: JOHN RONALD REUEL TOLKIEN.
Sua Graça e Chanceler,
Todos os membros da Congregação irão acompanhar os Administradores da Universidade em seu profundo pesar pela ausência de Hobbits conosco hoje. Bem informados como nós estamos com relação ao modo de vida deste Povo Pequeno, nos sabemos que eles apreciariam a oportunidade de se vestir com cores brilhantes. E eles saboreariam ainda mais a provisão de uma refeição e chá, vez que Hobbits apreciam seis refeições diárias (quando podem tê-las), e a consequente tendência que possuem em serem gordos no estômago não os faz desnecessariamente conspícuos. Mas é seu Orador Público quem mais agudamente lamenta a ausência deles, pois eles possuem o mérito singular de aproveitar piadas simples e por respondê-las com risadas profundas e saborosas. E o que pode ser mais recompensador para qualquer Orador Público do que o som de uma profunda e saborosa risada?
Mas se somos privados dos próprios Hobbits, nós temos o prazer de receber seu distinto cronista, John Ronald Reuel Tolkien. Educado na King Edward’s School, Birmingham, e na Exeter College, Oxford, ele serviu na Primeira Guerra Mundial e então, em 1920, foi para a Universidade de Leeds como Reader e, posteriormente, Professor em Língua Inglesa.
Aqueles que o conheceram naquela época poderiam muito bem ter previsto para ele um progresso acadêmico brilhante a ser seguido com passos firmes – e teria confirmado esta expectativa quando ele foi indicado, ainda jovem, para uma Cadeira Rawlison e Bosworth de Anglo-Saxão em Oxford. Ele foi titular da Cadeira de 1925 a 1945, período no qual iniciou o moderno estudo crítico da poesia Anglo-Saxã. Sua influência foi exercida em parte por meio de ensaios altamente significativos, mas não menos por sua intensamente vívida e dramática carreira no magistério, que deixou memórias indeléveis. Que pupilo poderia esquecer um Professor que estava preparado para se prostrar no chão caso isso fosse necessário para melhor ilustrar o drama de um combate Anglo-Saxão?
Mas outras formas de expressão também estavam sendo estimuladas dentro dele, já que em 1937 ele publicou O Hobbit, ou Lá E De Volta Outra Vez, aquele memorável relato sobre a perigosa jornada do Sr. Bilbo Bolseiro. Agora é lembrado que durante aqueles primeiros dias no Norte de Oxford sua energia criativa transbordava de forma tão intensa que de tempos em tempos ele mesmo polia a brilhante maçaneta de bronze amarelo de sua porta com todo o cuidado de um Hobbit completamente caseiro. Com sua remoção, primeiro para Headington e agora para uma localização mais escondida do que a dos próprios Hobbits, o Norte de Oxford dificilmente poderá ser a mesma e, certamente, a maçaneta da porta não o é, pois sua antes alegre superfície foi coberta por uma camada de verniz triste.
De 1945 a 1959 ele ainda estava em Oxford, titular da Cadeira Merton de Linguagem e Literatura Inglesa. Foi neste momento que se tornou visível que O Hobbit era apenas um começo. Mordido, talvez, pela sugestão de que ele poderia ser considerado o segundo Lewis Carroll de Oxford, um escritor ocasional de trabalhos de pequena escala, ele prosseguiu para o feito notável pelo qual ele é mais bem conhecido. Este é seu romance heroico, O Senhor dos Anéis, planejado como uma vasta sequência de seu conto anterior. Sua profunda e erudita compreensão de toda a vastidão da mitologia germânica, combinado com um interesse pessoal interesse no sobrenatural, se mostra numa expressão soberba, em uma fantasia que explora um mundo inventado e mantém com consistência persuasiva cada detalhe da vida dentro dela.
Tolkien nunca perdeu o contato com as raízes acadêmicas criativas de onde suas fantasias surgiram. Mas para uma horda de leitores por todo o mundo ele é fundamentalmente estimado por fornecer em uma escala tão rica, por meio do poder de sua imaginação, a recuperação, a escapada e a consolidação do que ele vê como a dádiva primária de um conto de fadas, tanto para adultos como para crianças. “Porque,” ele pergunta “um homem deve ser desprezado se, encontrando-se preso, tenta sair e ir para casa?”.
Nós podemos assegurar-lhe que em nenhum momento se nos ocorreu de nos desculparmos por nossas frequentes escapadas para o Condado e, por escolha, ir à cada do Sr. Bilbo Bolseiro. Para aquele belo buraco, próximo ao fogo, com a chaleira apenas começando a cantar e com recém cozidas tortas de semente na despensa. “Se em qualquer momento vocês estiverem passando por perto”, disse Bilbo, “não precisam bater à porta! Chá é servido às quatro; mas qualquer um de vocês é bem-vindo a qualquer hora!”.
Sua Graça e Chanceler, eu lhe apresento John Ronald Reuel Tolkien como sendo altamente merecedor do Título de Doutor em Letras “honoris causa”.
Da leitura de um discurso como este, fico a imaginar como não deveria ter sido uma aula com o professor...
AO PROFESSOR!